13- Dizimando o jardim


O pai de Sofia era investidor. A mãe, jornalista. Ambos bem sucedidos. Por um lado, o pai analisava a economia escutando rádio e assistindo TV. Por outro, a mãe escrevia e veiculava o assunto na mídia. Eram literalmente o par perfeito.

Sofia e sua irmã sempre viveram num ambiente de muita conversa com os pais. Mesmo estando muito atarefados, todos se falavam. E não rolava só papo de economia não. Eles falavam de tudo. Religião, comportamento, celebridades, família, sexo, férias, viagens.


Em cada etapa da vida, Sofia ia descobrindo algo importante com eles. Coisas para levar pela vida toda.
"Tenho sorte". Ela pensava e agradecia.

Um dia, tocou a campainha. Era um amigo que trabalhava com o pai de Sofia. Juntos foram para o escritório. Falando baixo e com expressões preocupadas, fecharam a porta.

Assim como a irmã, Sofia não entendia o que estava acontecendo. Fazia idéia. Era algo grave, o que implicava aborrecimentos para todos.

Mas não houve nenhum dano à rotina da família. Apenas uma tensão aqui. Muitos telefonemas ali. E pouca conversa.

Certa noite, Sofia e sua irmã ajudavam a mãe com o jantar. Quando ela e a irmã colocaram a travessa de comida na mesa, sua mãe disse que precisavam conversar. As duas se olharam e sentaram devagar.
Sua mãe, se ajeitou na cadeira. Cruzou as mãos no queixo, como sempre fazia quando o assunto era sério. Fez aquela cara de quem vai dar uma notícia grave e disse, em tom mais baixo que o normal: "Meninas, perdemos um pedaço bem grande do que a vida vinha proporcionando pra nós. Muitas coisas vão mudar. A casa, o colégio, as viagens, as amigas, entendem? Tu-do", disse separando as sílabas.

O pai, sempre mais calado, estava com um olhar triste e indignado. De repente falou de uma só vez, como se aquelas palavras pudessem eliminar qualquer incerteza".

"É, hoje nós perdemos. Mas estamos juntos e amanhã podemos ganhar tudo de novo".

Sofia se sentiu tranquila. Percebeu que não importava o que seus pais diriam. A vida continuaria sendo boa. Tinham um ao outro.

Abrindo os olhos devagar, notou que ainda estava sentada no caixote, esperando Matheus com seus filhos.

Algo a fez sorrir. Podia se ver sua imagem refletida no vidro, ainda confusa e embaçada pela poeira imaginária das coisas. Levou a mão ao peito e notou uma corrente com uma pequena chapa de aço, como essas que identificam soldados em guerra. Nela estavam gravados um número e o desenho de uma borboleta, como aquela tatuada em suas costas. Sentiu-se insegura naquele mundo mais uma vez.

Mesmo assim, decidiu que seguiria em frente. Não importava como eram seus filhos. Queria estar com eles.




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