3- Predadores

No carro, a caminho do trabalho, Sofia gostava de ouvir música. Era uma forma de desviar o pensamento e os olhos das tantas informações visuais da cidade. Mas o coração estava sempre espiando uma ou outra cena descabida em cada esquina. Foi assim que Sofia viu, quase sem querer, um assalto na calçada. O trânsito lento e a correria dos pedestres forçaram uma atitude involuntária de Sofia. Ela se abaixou, como se o inconsciente estivesse treinado para tal reação. De repente, no meio daquele barulho todo, veio o barulho mais temido na vida urbana, tiros. Sofia ficou encolhida entre os bancos do carro algum tempo, até ter certeza de que estava tudo sob controle. Levantou a cabeça devagar e espiou pelo vidro. Primeiro viu o pequeno espaço do céu azul entre os edifícios e as janelas cheias de curiosos. Depois viu as placas das lojas. Até que alcançou o ângulo de visão mais temido, a calçada. Uma multidão de curiosos estava ao redor de uma suposta vítima de assalto. Não era a primeira vez que ela via uma cena assim. Mas elas sempre causavam sempre a mesma sensação de medo e impotência. Sofia sabia que ficariam todos ali até chegar socorro. Alguns nutriam o frenesi de poder aparecer no jornal da noite falando sobre a tragédia.
No carro estava tocando John Lennon. Sofia engatou e retomou seu caminho. Junto dela, tantos outros. Todos atrasados para o trabalho. Ela balançava a cabeça e repetia o refrão: "let it be, let it be...".

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